Hoje, 31 de outubro, 110 anos do nascimento de Carlos Drummondt de Andrade - poeta, contista e cronista brasileiro.
"Há 110 anos, a pacata cidade de Itabira –MG paria um dos maiores poetas da literatura brasileira. Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31 de outubro de 1902 e levou a cidade natal no coração por toda a sua vida. Prova desse amor pelas raízes é a presença de Itabira em tantos de seus contos.
Drummond era filho de fazendeiros e começou cedo a carreira de escritor. Formou-se em farmácia e por um bom tempo, não teve os escritos como prioridade. Mas nunca abandonou o amor pelas letras.
O autor segue a “libertação” proposta por Mário e Oswald de Andrade, utilizando-se da liberdade linguística, o verso livre, o metro livre e as temáticas cotidianas.
Apesar da ligação direta com o modernismo, é notável desde a sua primeira obra a presença constante do poema-piada e da descontração sintática.
Uma leitura leve, doce, calma e romântica. Usando o amor como tema de vários de seus escritos, Drummond toca o leitor no seu ponto fraco: o seu eu em outra pessoa. Seja falando da ausência, da saudade, da carência, do carinho ou da atenção, ele consegue falar do sentimento mais estimado pelo ser humano sem ser exagerado ou dramático.
Drummond faleceu em 1987, no Rio de Janeiro, 12 dias depois de perder sua filha. O poeta foi funcionário público durante boa parte da sua vida, sem deixar o amor pela literatura de lado em nenhum momento.
Entre seus poemas mais famosos está “A um ausente”, que só foi publicado após sua morte, no livro Farewell, concluído pelo autor. Há rumores que o poeta dirigia-se a um amigo que se suicidou com um tiro, o escritor e médico Pedro Nova."
fonte: Santa Pauta
Além de ser um dos mais famosos - A um ausente - é um dos meus preferidos, por motivos óbvios.
A um ausente
Carlos Drummond de Andrade
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
As Sem - Razões do Amor
Carlos Drummond de Andrade
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
Amor é dado de graça
É semeado no vento,
Na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
Não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor.
Mãos Dadas
Carlos Drummond de Andrade
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Verbo Ser
Carlos Drummond de Andrade
Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
Os Ombros Suportam o Mundo
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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