sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Do tamanho de formigas

A vida nos presenteia, vez ou outra, com pessoas especiais que têm um olhar diferente do mundo, da vida e das coisas. Pessoas como minha ex-vizinha Rosana, a quem pude conhecer melhor no Bazar que realizamos antes de ir embora pois, apesar de vizinhas, a loucura da vida não tinha nos permitido um bom papo. Ela viveu também fora do país e apesar de não morar mais no mesmo prédio continua presenteando com suas mensagens e hoje, em especial com o texto que segue. Tão propício ao dia de hoje e às mil coisas que passaram na minha cabeça por alguns momentos do dia de ontem.
À Rosana, meu abraço e meu muito obrigada!

É preciso ir embora
do blog Antônia no Divã

Ano passado, na festa de despedida de uma amiga, ouvia calada e com atenção seu dolorido discurso sobre o quanto ela se preocupava com a decisão de ir embora. Dizia se preocupar com a saudade antecipada da família, com a tristeza em deixar um amor pra trás e com a dor de se afastar dos amigos. Ela iria embora para Londres com tantas incertezas sobre cá e lá, que o intercambio mais parecia uma sentença ao exílio.

Dentre dicas e conselhos reconfortantes de outras amigas, lembro-me de interromper a discussão de forma mais fria e prática do que gostaria:
“Quando você estiver dentro daquele avião, olhar pra baixo e ver todas estas dúvidas e desculpas do tamanho de formigas, voltamos a falar. E você vai entrar naquele avião, nem que eu mesma te coloque nele.”
Ela engoliu seco e balançou a cabeça afirmativa.

Penso que na época poderia ter adoçado o conselho. Mas fato é que a minha certeza era irredutível, tudo que ela precisava era perspectiva. Olhar a situação de outro ângulo, de cima, e ver seus dilemas e problemas como quem olha o mundo de um avião. Óbvio, eu não tirei essa experiência da cartola. Eu, como ela, já havia sido a garota atormentada pelas dúvidas de partir, deixando tudo pra trás rumo ao desconhecido. Hoje sei que o medo nada mais era do que fruto da minha (nossa) obsessão em medir ações e ser assertiva. E foi só com o tempo e com as chances que me dei que descobri que não há nada mais libertador e esclarecedor do que o bom e velho tiro no escuro.

Hoje a minha amiga não tem mais dúvida. Celebra a vida que ela criou pra ela mesma lá na terra da rainha, onde eu mesma descobri tanto sobre minha própria realeza. Ironicamente – e também assim como eu – ela aprendeu que é preciso (e vai querer) muitas vezes uma certa distancia do ninho. Aprendeu que nem todo amor arrebatador é amor pra vida inteira. Que os amigos, aqueles de verdade, podem até estar longe, mas nunca distantes. Hoje ela chama o antigo exílio de lar, e adora pegar um avião rumo ao desconhecido. Outras, como eu, e como ela, fizeram o mesmo. Todas entenderam que era preciso ir embora.

É preciso ir embora.

Ir embora é importante para que você entenda que você não é tão importante assim, que a vida segue, com ou sem você por perto. Pessoas nascem, morrem, casam, separam e resolvem os problemas que antes você acreditava só você resolver. É chocante e libertador – ninguém precisa de você pra seguir vivendo. Nem sua mãe, nem seu pai, nem seu ex-patrão, nem sua pegada, nem ninguém. Parece besteira, mas a maioria de nós tem uma noção bem distorcida da importância do próprio umbigo – novidade para quem sofre deste mal: ninguém é insubstituível ou imprescindível. Lide com isso.

É preciso ir embora.

Ir embora é importante para que você veja que você é muito importante sim! Seja por 2 minutos, seja por 2 anos, quem sente sua falta não sente menos ou mais porque você foi embora – apenas sente por mais tempo! O sentimento não muda. Algumas pessoas nunca vão esquecer do seu aniversario, você estando aqui ou na Austrália. Esse papo de “que saudades de você, vamos nos ver uma hora” é politicagem. Quem sente sua falta vai sempre sentir e agir. E não se preocupe, pois o filtro é natural. Vai ter sempre aquele seleto e especial grupo que vai terminar a frase “Que saudade de você…”com “por isso tô te mandando esse áudio”; ou “porque tá tocando a nossa música” ou “então comprei uma passagem” ou ainda “desce agora que tô passando aí”.

Então vá embora. Vá embora do trabalho que te atormenta. Daquela relação que você sabe não vai dar certo. Vá embora “da galera” que está presente quando convém. Vá embora da casa dos teus pais. Do teu país. Da sala. Vá embora. Por minutos, por anos ou pra vida. Se ausente, nem que seja pra encontrar com você mesmo. Quanto voltar – e se voltar – vai ver as coisas de outra perspectiva, lá de cima do avião.

As desculpas e pré-ocupações sempre vão existir. Basta você decidir encarar as mesmas como elas realmente são – do tamanho de formigas.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O mundo não é maternal

Mais um da série "li, amei, postei", da sempre perfeita Martha Medeiros.

"É bom ter mãe quando se é criança, e também é bom quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é um erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passando fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.
Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego.
Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta: exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto que o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo.
Mãe é de graça!"

Fiz o que fiz...

"Fiz o que quis e fiz com paixão. 
Se a paixão estava errada, paciência.
Não tenho frustrações, porque vivi como em um espetáculo. 
Não fiquei vendo a vida passar, sempre acompanhei o desfile”
Mario Lago


sábado, 14 de fevereiro de 2015

Loucos e Santos

São tantas as almas que cruzam o caminho ao longo do tempo... Porém, algumas insistem em ficar de alguma forma vinculadas às nossas. São estas almas os amigos - irmãos de alma. Aqueles que escolhem conviver com o pacote completo, ajudam nas revisões, encaram as melhores e as piores etapas do lado. 

Loucos e Santos, por Oscar Wilde

"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril."